quinta-feira, 27 de março de 2014

Visita à escola Simão Bolívar

Li ultimamente entrevistas de diversas candidaturas. Parece ser consensual o diagnóstico desastroso da situação do país, em termos de saúde, educação, justiça, infra-estruturas como as redes viária, elétrica e de água (poderia acrescentar ainda de transporte, de correios, de televisão, de rádio, de internet).

Não basta concordar com o óbvio, pois isso não credibiliza o debate eleitoral. É necessário avançar com propostas concretas, oferecer perspetivas, modos de solucionar os problemas apontados, linhas mestras de governação, orientações estratégicas para lidar com os problemas. Ady M. Teixeira, no blog Kafumbero, alerta jocosamente para essa situação, que não permite diferenciar os candidatos. 

Conta uma anedota, que curiosamente situa numa mesa de voto em Bubaque. Um ancião assume ter votado em todos e justifica: todos prometem coisas boas e necessárias. Nisto, julgo que a nossa candidatura se distingue claramente das restantes e marca a diferença, em termos de consistência: não nos limitamos a prometer, nós apresentamos propostas concretas, anunciamos como pensamos lá chegar.


Depois de ter passado pelo Hospital Simão Mendes e de me ter debruçado sobre o setor da Saúde, estive há pouco numa escola também de nome Simão (neste caso, o libertador da América), aproveitando a oportunidade para dar a conhecer um pouco melhor as propostas do Partido para a Educação. Vou escolher apenas um exemplo, para ilustrar a medíocre qualidade do ensino ministrado.

O ano passado, os poucos alunos guineenses submetidos a exame de matemática em Portugal tiveram menos de 1%, em média. 

Mais do que simplesmente preocupante, é aterrador. Defendo uma reforma, com medidas drásticas e de carácter urgente, a implementar a curto prazo, entre elas a requalificação dos professores, fazendo apelo ao voluntariado de professores portugueses reformados, que viriam por um ano, com despesas de transportes e alojamento pagas, mas sem mais retribuição para além do sentimento de ajudarem.

Concebida como uma partilha de experiências de enriquecimento multi-cultural, num ambiente de legitimidade e estabilidade, não tenho dúvidas de que se apresentariam voluntários empenhados em número suficiente. Há que equacionar também o apelo à nossa Diáspora, para participar nesse desafio de qualidade, tentando mobilizar os recursos que existem, em termos de apoios internacionais, para esse fim.

Outra medida de curto prazo seria o recurso às novas tecnologias, não apenas para divulgar materiais pedagógicos, mas também para ensino à distância e informatização administrativa de todo o sistema, das matrículas às passagens de ano, passando pelo controlo da assiduidade. Será uma prioridade nossa, garantir que todas as escolas do país passam a dispor de pelo menos um computador ligado à Internet.

Reformar o Ensino, será também insistir numa mudança de mentalidades por parte dos professores. Chega de repetir fórmulas desactualizadas e adulteradas, que fazem do conhecimento algo de doutoral, inatingível. Não! Como afirma o slogan do MAC, é bem mais importante que despertem a vontade de «pensar pelas próprias cabeças», de aprender, de compreender o mundo que nos rodeia.

O conhecimento não pode ser encarado como algo de mágico, como uma caixa negra. «É de pequenino que se torce o pepino». Há um enorme esforço a fazer, em termos de equilíbrio entre o crioulo e o português. É preciso compreender melhor as relações entre as duas formas de expressão, saber traduzi-las relativamente à nossa identidade nacional, num melhor entrosamento de compreensão mútua e bilinguismo.

A utilização do crioulo na escola deveria ser reconhecida e reforçada por uma osmose com a identidade local, reservando metade do tempo escolar para uma participação e partilha de ensinamentos colhidos na práxis da comunidade escolar, envolvendo-a na educação informal das crianças. Serviria assim de elemento de ligação da língua materna a uma estrutura linguística mais elaborada, introduzida pouco a pouco.

Uma forte aposta num ensino primário de qualidade não nos fará esquecer a recuperação de uma oferta de proximidade de estudos secundários, distribuída pelas regiões. Defendemos igualmente a introdução precoce, coadjuvada pelas novas tecnologias, do francês e do inglês. A aprendizagem de mais línguas, a familiarização com outras estruturas verbais, ajudaria bastante à adaptação ao próprio português.

Defendemos ainda, em termos transversais, a introdução de uma cultura da exigência e do mérito, com exames nacionais (fiscalizados e anonimizados) todos os anos, que permitam obter resultados comparáveis e avaliar a qualidade do sistema de ensino (público e informal), bem como identificar as suas disfunções mais gritantes. Fazer «coisa nossa», instituir como novo héroi, resultado de um novo «fanado», o estudante.  

«Os atrasos sistemáticos no pagamento dos salários têm sido factores de desmotivação de grande parte dos professores, que vêem degradar continuamente a sua imagem profissional e social. Todas estas deficiências estruturais na gestão do sistema educativo, têm provocado permanente instabilidade na actividade docente, dando lugar a frequentes paralisações de aulas e reivindicações, cada vez mais sob a forma de greves prolongadas, que frustram as expectativas dos alunos, das famílias e da sociedade.»

Ao ler o texto anterior, poderiam alguns, menos avisados, pensar que este se refere ao período pós 12 de Abril de 2012. Mas não, refere-se ao período anterior ao conflito armado de 1998! É retirado de uma antiga análise publicada no site de Fernando Casimiro dedicada ao setor da educação. Será fazer uso de pura retórica e demagogia não reconhecer todo esse trabalho, valioso contributo para a reflexão sobre uma histórica inércia, prova de que conhecer o diagnóstico não nos poupa forçosamente aos mesmos erros.

A Guiné não pode perder mais tempo no caminho do desenvolvimento e todos não seremos demais para a pensar! Combateremos com unhas e dentes a grave desigualdade de género no acesso ao ensino, o abandono escolar, a desqualificação dos professores, a desmotivação dos alunos e a falta de qualidade do ensino. Defenderemos a igualdade de oportunidades e a gratuitidade do ensino básico, incluindo a oferta anual de uma pequena pasta com um mínimo de material a todos os alunos.

É esse o significado das pequenas ofertas que fizemos hoje. Vamos fazer do Ensino uma festa de alegria, vamos usar estes lápis de cor para pintar um jardim no qual cuidaremos e regaremos convenientemente as flores da nossa luta, luta não só por uma independência meramente formal, mas e sobretudo, mental.

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